PL dos Portos: ANUT vê risco de insegurança jurídica e alerta para concentração de poder

Projeto busca criar ambiente para investimentos, aumentar a autonomia das autoridades portuárias, reorganizar os conselhos administrativos e criar instrumentos de autorregulação

PL dos Portos: ANUT vê risco de insegurança jurídica e alerta para concentração de poder

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 733/2022, que propõe uma ampla reforma na governança dos portos organizados no Brasil. A proposta altera dispositivos da Lei n.º 12.815/2013, conhecida como “Lei dos Portos”, e tem como objetivo modernizar a gestão, ampliar a autonomia das autoridades portuárias e estimular investimentos privados. No entanto, o texto vem sendo alvo de críticas de entidades que representam os usuários da infraestrutura logística.

Em termos gerais, o projeto de lei busca criar um ambiente mais atrativo para investimentos, aumentar a autonomia das autoridades portuárias, reorganizar os conselhos administrativos e criar instrumentos de autorregulação. De acordo com o texto do projeto, a expectativa é reduzir a burocracia e tornar o setor mais eficiente, o que poderia melhorar a competitividade dos portos brasileiros no comércio exterior.

O Ministério dos Transportes, autor da proposta, defende que o PL é fundamental para acelerar os investimentos e modernizar a logística portuária. Segundo a pasta, o modelo atual ainda é “engessado, dependente de decisões centralizadas e sujeito a interferências políticas”.

Entre as principais vozes opinativas a respeito do projeto está a Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (ANUT), que alertou para riscos de concentração de poder, insegurança jurídica e falta de clareza na definição de competências. “Querendo atender ao interesse de todos, o projeto acabou ficando no meio do caminho”, avaliou o presidente da ANUT, Luis Baldez, com exclusividade à MundoLogística.

PREOCUPAÇÕES DOS USUÁRIOS

Apesar dos objetivos declarados, a ANUT alertou que o projeto mantém problemas estruturais, especialmente na definição de competências entre governo federal, autoridades portuárias e agências reguladoras. “Um exemplo é o caso da dragagem, que é um problema local. Cada porto tem que analisar a sua conveniência, qual é a profundidade, como é que ele vai fazer e assim por diante”, explicou Baldez. “Não precisa estar em Brasília essa competência. Mas está lá no projeto de lei que quem elabora e resolve todos os problemas da dragagem é o Ministério dos Transportes.”

Apesar de, historicamente, a dragagem ser um dos maiores gargalos da logística brasileira, Baldez defendeu a exclusão dessa competência do projeto. “[A questão da dragagem] deve ser levada para a autoridade portuária.”

Outro ponto sensível é a manutenção do Conselho de Autoridade Portuária (CAP) com caráter apenas consultivo. Na prática, isso significa que os pareceres do CAP podem ser ignorados pelos gestores portuários. “Achamos que o CAP não precisa ser deliberativo, mas sim consultivo. Porém, a análise do CAP tem que ser obrigatoriamente inserida no processo decisório. Ele não pode ser uma consulta”, explicou o presidente da ANUT.

Além disso, a ANUT criticou o tamanho do conselho — previsto no projeto para contemplar até 23 membros — e a indefinição sobre a representatividade dos usuários. “é um número meio exagerado, e não está muito clara a posição dos usuários no CAP”, pontou Baldez. “Então, nós estamos propondo que fique claro que o usuário — ou seja, o dono da carga — ele é parte importante.”

De acordo com Baldez, o PL 733 também cria mecanismos de autorregulação, permitindo que operadores portuários formem câmaras para tratar de temas operacionais e de prestação de serviços. Na avaliação da ANUT, a proposta é positiva em tese, mas oferece riscos se não tiver regras bem definidas. “Da forma que está, o PL tem duas distorções. A primeira delas é sobre essa câmara de autorregulação ser vinculada à ANTAQ. Ora, se ela é vinculada à Antaq, ela não tem autonomia”, criticou o presidente da ANUT.

O segundo aspecto, na visão de Baldez, é o de que a Câmara não pode se tornar um ambiente de discussão de preço e tarifa. “Cria-se a possibilidade de estipular preço de determinada carga e critérios para liberação. Se for assim, vira cartel.”

O IMPACTO NA LOGÍSTICA

O debate sobre a governança dos portos não é apenas burocrático. Isso porque se trata de uma discussão com impacto direto sobre o custo logístico e a competitividade da economia brasileira.

Segundo oPlano de Retomada da Indústria, publicado pela Confederação Nacional da Indústria em maio de 2023, a estimativa é que o Custo Brasil retire R$ 1,5 trilhão por ano das empresas instaladas no país, representando cerca de 20,5% do PIB.

No caso do setor portuário, a CNI destacou que as tarifas elevadas cobradas por portos e a ineficiência para manuseio e embarque de cargas impactam entre 8,3% e 11,5% das empresas, conforme modelo por modais.

O QUE DEFENDE A ANUT?

A posição da ANUT sobre o PL 733 é clara. A entidade defende que a competência pela dragagem seja transferida para as autoridades portuárias, ficando a cargo do governo federal apenas a definição de diretrizes ambientais e regulatórias. Também defende que o Conselho de Autoridade Portuária (CAP) permaneça com caráter consultivo, mas que seus pareceres sejam obrigatórios nos processos decisórios.

Outro ponto defendido é que o papel dos usuários dos portos, ou seja, os donos da carga, esteja claramente definido, com participação efetiva no CAP. Além disso, a ANUT entende que o modelo de autorregulação precisa ser ajustado para garantir uma autonomia real, com transparência e regras que impeçam práticas anticoncorrenciais. “Se isso não for corrigido, estaremos simplesmente criando um modelo que reorganiza os mesmos problemas que temos hoje, talvez até piorando alguns deles”, alertou Baldez. “A nossa proposição é bem radical no sentido da clareza de competência de cada órgão. Porque, se não, o órgão toma decisões e sobrepõe competências. Ninguém sabe, no fim, quem é que manda. Manda todo mundo. E no caso em que manda todo mundo, ninguém manda”, disse Baldez.

PRÓXIMOS PASSOS

O PL 733/2022 está atualmente na Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados, aguardando a formação de uma comissão especial. Estão previstas audiências públicas, nas quais entidades como a ANUT, representantes da indústria, do agronegócio e dos operadores portuários deverão apresentar suas visões. “Nós temos discutido isso internamente em um ambiente chamado Coalizão de Usuários, que tem uma série de entidades somente de usuários — assim como a ANUT, bem como junto à Frente Parlamentar da Agricultura, ao Ministério da Agricultura e à Confederação Nacional da Agricultura [CNA]. Já fomos informados de que, quando a comissão especial que está analisando este projeto for instalada, vai haver uma audiência pública sobre esse tema e nós já seremos convidados a dar a nossa opinião. Então, nós estamos na vanguarda da discussão desse PL”, enfatizou o presidente da ANUT.

 

Fonte: Christian Presa - Mundo Logística

Por: Agência Logística de Notícias

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